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Sobre Publicação

Publicado em 06/07/2022



No ato de fundação da Sociedade Francesa de Psicanálise, só-depois nomeada Escola Freudiana de Paris, Lacan dá à publicação um lugar de destaque ao afirmar: "O fundo financeiro constituído pela contribuição dos membros da Escola, pelas subvenções que ela eventualmente obtiver, ou pelos serviços que prestar como Escola, será inteiramente reservado para seu esforço de publicação”. (LACAN, 2003[1964], p. 238).

Lacan afirma também que: "O ensino da psicanálise só pode transmitir-se de um sujeito para o outro pelas vias de uma transferência de trabalho” (idem, p. 242), o que pressupõe uma transferência ao texto psicanalítico.  

Abordar a questão da publicação implica levar em consideração o Estilo de Lacan, baseado na premissa de que a psicanálise possa ser transmitida de acordo com sua ética. Erik Porge afirma que uma característica de Lacan em relação à publicação é que, embora ele tenha anunciado em alguns momentos que estaria trabalhando na escrita de um livro, nunca chegou de fato a publicá-lo. Mas Lacan publicou seus Escritos em 1966, pela Editora Seuil, uma coletânea de artigos, no qual, já na Abertura (p. 9-11), ele se refere ao estilo. Faz uma referência ao conde de Buffon, em cujo discurso de posse na Academia Francesa, em 1753, afirma: "Escrever bem consiste em pensar, sentir e expressar bem, em clareza de mente, alma, e gosto... estilo é o próprio homem”. (Disponível em https://wikipedia.org>wiki)

Diz Lacan: "O estilo é o homem: vamos aderir a essa fórmula, somente ao estendê-la: o homem a quem nos endereçamos? ” (LACAN, 1998[1966], p. 9). Segundo Lacan, aí estaria posto o princípio por ele estabelecido: "Na linguagem nossa mensagem nos vem do Outro... de forma invertida” (idem, p. 9).  Lacan questiona: "Mas se o homem se reduzisse a nada ser além do lugar de retorno de nosso discurso, não nos voltaria a questão de para que lho endereçar? ” (idem, p. 10)

Lacan afirma ser esta a questão que lhe coloca o seu "novo leitor” para o qual foi reunida a coletânea Escritos, iniciada com A carta roubada, artigo escrito a partir da leitura do conto de Edgar Allan Poe. Lacan dá um lugar a este leitor/psicanalista, um "patamar”, na "escalada de seu estilo”. E qual seria este patamar?

Para Lacan:  

Cabe ao leitor devolver à carta/letra em questão, para além daqueles que um dia foram seus endereçados, aquilo mesmo que ele nela encontrará como palavra final: sua destinação.  Qual seja, a mensagem de Poe decifrada e dele, leitor, retornando para que, ao lê-la, ele diga a si mesmo não ser ela mais fingida do que a verdade quando habita a ficção. (idem, p. 10)            

Lacan aponta no conto de Poe "(...) a divisão onde se verifica o sujeito pelo fato de um objeto o atravessar sem que eles em nada se penetrem, divisão que se encontra no princípio do que se destaca no fim desta coletânea sob o nome de objeto a (a ser lido pequeno a). ” (idem, p. 10) Para Lacan é o objeto que responde à questão sobre o estilo que ele traz no início:

A esse lugar que, para Buffon, era marcado pelo homem, chamamos de queda desse objeto, reveladora por isolá-lo, ao mesmo tempo, como causa do desejo em que o sujeito se eclipsa e como suporte do sujeito entre verdade e saber. Queremos, com o percurso de que estes textos são o marco e com o estilo que seu endereçamento impõe, levar o leitor a uma consequência em que ele precise colocar algo de si. (idem, p. 11)          

Outra coletânea de artigos de Lacan publicada em 2001, postumamente, foi Outros escritos, por iniciativa de J. A. Miller, também pela editora Seuil. No Prólogo Miller resgata um dizer de Lacan: "Quando a psicanálise houver entregado as armas diante dos impasses crescentes de nossa civilização (mal-estar que Freud pressentia nela) é que elas serão retomadas, por quem? Pelas indicações de meus Escritos. ” (LACAN apud MILLER, 2003[2001], p. 12)

Mesmo dando à publicação um lugar de destaque, Lacan afirma ser o escrito puro dejeto; chama a publicação de poubellication, devido a uma certa homofonia (em francês) entre as palavras lixeira (poubelle) e publicação (publication). Em português não há essa homofonia, traduziu-se publicação por "publixação” (Seminário 16).

Pensar a publicação como publixação, como "lixeira”, à maneira de Lacan, não significa dizer que ela não serve para nada; muito pelo contrário, remete-nos ao lugar do analista, semblante de objeto a.                                 

Rosane Morais
2 de março de 2022

Referências:
PORGE, E. Ler, escrever, publicar: o estilo de Lacan. Tradução livre
LACAN, J. Abertura desta coletânea. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 9-11.
_______. J. Ato de fundação. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p.235-247
_______, J. Prólogo. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p.11-13
_______. De um Outro ao outro. In: O seminário: livro 16. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008 , p. 11     


                                                                                                                      





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